quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Fugi das igrejas porque não gosto de ser doutrinado

Eu estava na universidade, com o meu típico mau humor do cão. Não acordei de mau humor. Acordei normalmente, e saí de casa em total alto astral porque tinha conversado pelo Skype com meu amor distante. Foi ótimo. Ela estava linda e não parava de sorrir. Quer um começo de dia mais animador do que esse?

Eis que chego na universidade e sou obrigado a sentar na carteira DA FRENTE, ao lado da mesa do professor, já que não havia outro lugar disponível para pessoas do meu tamanho. Isso foi horrível. Acabou com a minha manhã, pois fui obrigado a sentar em um lugar completamente oposto ao que costumo sentar, nos fundos e cantos.

Tentei assistir um pouco da aula, era ÉTICA. Mas ali, a menos de um metro do professor, não existe ética. O tempo todo o cara grita ao seu lado. Parece que tudo o que ele tenta falar soa como um balde cheio de merda, e ele fazendo questão de empurrar ouvido a dentro. Aquilo estava me dando náusea.

Saí da sala, procurei o sofá mais próximo, o sossego mais silencioso, nenhum idiota por perto. Encontrei. Mas não fui só eu. Chegou um camarada me pedindo maconha. Eu fiquei tipo... ãh?? O cara era careta até então. Bem mais novo do que eu, aspecto conservador, mas aparentemente de cabeça aberta a discussões. Nunca imaginei que aquelas palavras – Oi, estou com vontade de experimentar maconha – surgiriam da boca dele. Fiquei atônito. Até porque eu estava em um sofá de OITO lugares, e ao lado tinha um sofá de mais dois lugares, e o cara sentou exatamente entre mim e o braço do sofá, nos deixando em uma posição muito DESCONFORTÁVEL. Se alguém aparecesse naquela sala pensaria que a pederastia estava prestes a começar.

Estou afim de experimentar, afinal, não podemos passar por essa vida sem experimentar as coisas, ele disse. Pensei um pouco nas consequências, coisa que não costumo fazer. Confesso que fiquei um pouco mal com a situação. Ele ali do meu lado, muito perto, achando que eu era traficante. Não, eu não sou, pensei. O que as pessoas acham que eu sou? Mas decidi colaborar, afinal não podemos passar por essa vida sem experimentar as coisas, e quem sou eu para barrar a experiência de alguém?

Ele foi embora. Eu fiquei alí mais uns bons minutos. Sossego, paraíso, me sentia alheio a tudo e todos, ninguém tinha influência sobre mim, apenas os quadrinhos que eu acompanhava pelo celular.

Voltei para o meu inóspito lugar na sala de aula. O professor continuava tentando nos convencer das suas convenções. Já fugi das igrejas porque não gosto de ser doutrinado. Saquei meu livro de putarias da mochila. Tentei ler um pouco, mas não havia chance. A aula era implacável, comecei a passar mal. Demônios estavam olhando para as minhas caras feias e eles faziam caras mais feias ainda. Meu deus, será que existe alguém normal por aqui?

Olhei pro lado e lá estava um cara, que todos dizem ser louco, com uma câmera de vídeo na mão. Ele passava as gravações e dava risadas discretas para o pequeno visor LCD. Puta que pariu, pensei. É, eu pensei isso. Exatamente isso. Apenas “puta que pariu”. Minha cabeça estava esgotada. Sou obrigado a sentar no calabouço estudantil, fujo e um cara vem me colocar no tráfico de drogas, concedo mais uma chance à decente vida acadêmica e dou de cara com um maníaco da câmera, que filma as pernas das garotas e vai pra casa tocar punheta com o seu enorme pau. Deve ser enorme. Sempre imaginei dementes com genitais gigantescos.

Um amigo me pede ajuda. “Coloque meu nome na chamada”, ele dizia pelo celular. A manhã ainda me reservava um momento de compaixão. Roubei a lista de chamada da mesa do professor, na cara dura, e escrevi o nome dele. Tomara que tenha dado certo, afinal o meu amigo tomou a decisão correta, não apareceu na universidade.

Enjoei. Mesmo sem comer nada, golfadas de demência surgiram na minha traquéia - acho que é esse o nome do lugar que elas tomaram de assalto. Vou fugir mais uma vez, mas dessa vez é para sempre. Peguei minha mala, saí da sala, encontrei o sol no pátio. Pensei, pronto, ar puro, só preciso de um pouco de feijão, arroz e carne. Depois vou embora. Desci as escadas em direção ao restaurante universitário e...
Candidatos a deputado fazendo campanha na universidade. Puta que pariu, é você, Satanás? Fugi. Comprei meu ticket e me dirigi à fila. Um amigo chegou me fazer companhia. Conversamos um pouco, a porta do restaurante já estava ao nosso alcance, achei que poderia ficar tranquilo, nada mais me incomodaria naquela fatídica manhã gelada.

“Oi, amigos! Vocês me conhecem? Sou candidato a deputado estadual...”

Quando o cara falou isso, fiquei sem reação, deus não existia, ou se existisse não gostava de mim. Enquanto isso a senhora dos tickets pegou o ticket da minha mão sem eu perceber, me fazendo entrar de uma vez por todas no restaurante universitário e me blindando da baboseira política.

Obrigado, eu disse. Foi uma manhã difícil.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

só escrevo quando é pra me desculpar

a tranquilidade estava a um click.

se tu clicasse, não
me maltratasse
a banalidade impediria
o cigarro na minha mão.

não se deve esconder
dos gaviões.
não deveríamos esconder
nossas paixões.

mas tudo bem,
é num estouro
que se vira
ogro.

um ogro tão sensível
que se esconde no poço
de insensibilidade
tão visível.

ego
nego
prego
que quero
e ferro.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Rolezin (Parte 1)

- Caraca. Vai dize que não parece maneiro esses rolezin aí da galerinha lá do Brasil. Os bacana ficam tudo arrepiado, hahaha. A vontade que dá é faze um igualzinho aqui em pg.
- Pior que domingão fica movimentadão o shopping mesmo.
- Porra, meu. Até parece que você não vê nenhum jornal.
- Você também não vê bosta nenhuma.
- É, mas eu vi esses dias com o meu pai.
- Só porque ele mandou.
- E daí o que é que tem? Não é isso que eu tava falando. Seu chapado.
- E daí o que é que tem?
- É os rolezin do jornal. Vamo faze um aqui em pg.
- Mas a gente já não faz? Essa semana ainda colei la no Palladio com a Franzinha, o Michael, o Peterson, tava também o Gabrielzin. Tu que perdeu.
- Nossa mano. Vai tomar no cu e deixa eu te explicar.
- Ui brabeza.
- Cala a boca. Os role dos cara é monstro. Tipo uns duzentos nego tudo junto entrando. Dai fazem aquela baderna com os tio, hahaha. Tipo uma rebelião. Revolução.
- Meu pai chama de narquia.
- Mas foda-se. A ideia é ir lá e faze que os cara achem loco. Ir la apavorar mesmo.
- To sacando qualé. Mas nem aqui na quebrada tem duzentos nego. E eu acho que ia da cagada também. Se a gente vai la domingo as tia ficam olhando feio. E você sabe que os segurança trampam pra dexa essas tia na boa, longe de nóis. Como se nóis fosse la pra rouba.
- Tão, jão. E a gente rouba?
- Claro que não.
- E nesses rolezin dos outros lugar também ninguém rouba. E se ninguém rouba a gente só ta dando um rolê. Vendo as vitrina.
- É verdade. Mas sei la, mano. Acho que vai da merda. Sem fala que não tem como junta duzentos nego.
- Só ir no Face.
- Se pá. Mas você tem mais amigo que eu lá.
- É, tenho mesmo.
- Então você faz a cena.
- Faço.
- E ta afim de faze quando?
- Sei lá. Na real eu acho que vou convidando uma pá, daí quando tive bastante a gente vai.
- Entendi.
- Sem falar que tá na moda. Galerinha já deve ta sabendo. Já deve ter até gente afim de faze um.
- To achando da hora já a ideia. Apavora uns tiu. Mas não apavoraaaa, só faze o nosso role. Se a gente faz isso nos domingo apavorando os tiu, mesmo sem ninguém rouba ou cria treta, imagina uns duzentos nego.
- Vamo agiliza essa cena então.
- Vamo. Mas eu já vo nessa.
- De boa. Valeu pelo zig.
- Tamo aí.

Vina e Ederson seguiram às suas respectivas casas. No caminho, Vina já imaginava quem convidaria para o rolezinho. Para começar, aqueles três "corpinhos" que conheceu na Magic, final de semana passado. Também convidaria alguns amigos homens, parceiros, que possam botar certo medo nos outros frequentadores do shopping. Preocupava-se, até certo ponto, com a possibilidade da coisa fugir do controle e gerar problemas sérios. Mas apanhar não era uma alternativa.

Durante todo o caminho, o "rolezinho" não deixou seus pensamentos. Quando chegou em casa, matou a larica e deitou no sofá. Ligou a tv:


"Para RJ, rolezinho não é crime e policia só agirá se houver vandalismo"


(...)

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Meu gato não tem onde cagar

É verdade. Agora mesmo ele está cagando na calçada. E depois vai tentar enterrar os seus dejetos em pleno azulejo. Que burrinho. Mas isso só prova que os gatos são muito educados.

Até uns dias atrás, ele descarregava tudo na casa vizinha, que está abandonada e é herança de algum parente distante da minha família. Isso me tranquilizava. Tom Zé não sujava a casa, dava os seus passeios matinais, evacuava e, tudo isso, em uma propriedade que, pode-se dizer, é da família - mesmo eu não fazendo ideia de quem seja. Minha tia conta essa história, que essa casa é da Tia Maria. Tá bom, manda ver, Tom Zé.

Agora um infeliz colocou dois cães lá. E dois cães grandes. Meu gato é grande mas não é dois. Ainda bem, porque se fossem, seriam dois excrementos pra eu limpar, já que, no mundo animal, dificilmente a paridade numérica entre cães e gatos resultaria em uma vitória dos felinos.

Então Tom Zé caga na calçada e mija no tanque. Sim, mija no tanque e ainda por cima apresenta uma mira melhor do que os homens. Mija certinho, no ralinho. Eu até já coloquei um recipiente - era a metade debaixo daquelas casinhas de levar seu pet numa viagem de avião - cheio de areia pra ele despejar. Ele usava direitinho, eu é que não. Como naquela época eu passava mais tempo bêbado do que sóbrio, nem lembrava de limpar as coisas do coitado. E aquilo ficava la, semanas. Além de criar um gato, eu estava criando larvas. Decidi jogar fora e deixar que o bichano se virasse.

Foi aí que ele começou a utilizar a casa da Tia Maria. Mas agora, dois cães moram lá. E como dois porcos moram aqui, é aqui que ele caga.