quinta-feira, 28 de junho de 2012

O instante em que Jesus angustiou-se

Jesus chegara em casa de bom humor. Abriu a porta, pisou na lavanderia e cumprimentou seu padrasto, Seu Augusto. Este lidava com o almoço, auxiliado pela esposa, mãe de Jesus, Madalena. Os três na cozinha, dividindo um espaço apertado, que sempre obrigava Jesus a desviar da mesa para poder logo chegar ao seu quarto.


Jesus não apreciava nada essa proximidade com os pais e, morando em um apartamento, logo entende-se a ânsia esquizofrênica que sentia ao entrar em casa e que fazia-o esgueirar-se de tudo e todos em direção ao seu quarto.

Todos os dias, quando entrava em casa, era isso o que acontecia. Algumas vezes mais intensas, como as em que queria esconder algo sórdido aos olhos de Madalena, outras vezes entrava distraído, tranquilo, não dando tanta atenção ao que o esperava nos cômodos do apartamento e sim pensando no que acontecia pelas ruas da cidade ou no trabalho de ambiente odioso. Jesus entrou sossegado, de respiração tranquila e pensamentos corriqueiros.

Passou por todos, cumpriu com louvor o protocolo de sorrisos, entrou no seu quarto e... Lá estava. Toda retangular, com letras garrafais, um simbolo solar que lembrava a arquitetura da catedral da cidade e a mensagem mais inesperada e direta possível: VENDE.


Jesus era um pouco alheio a sensações e reações sentimentalistas, mas não conseguiu responder à mensagem da placa de outra maneira, a não ser com um puta tremer de pernas e um esmagamento no miocárdio. A respiração tranquila acabou quando a intuição veio lhe dizer: "olhe em volta, olhe para todas as suas coisas, uma por uma, por mais demoradas e trabalhosas que foram para você conseguir, organizar e planejar." Jesus olhou. "agora que olhou, diga adeus."


Cortante. É o que foi. A ficha não caiu cedo. Jesus passou o dia remoendo aquilo. Como assim? Então era verdade tudo isso? Que iam se mudar e tal. Que era pra ele ir procurando outro lugar para acomodar as suas coisas e a sua bunda. Não podia ser. Levou nada mais nada menos do que quase sete anos para que  o seu reduto tivesse a sua cara. Com seus pôsters, caixas de som, instrumentos e livros, cheiros e ventos, seu cabide utilizado errado, a coleção de garrafas de cervejas e a janela. Porra, a janela. Tampada por um cartaz de imobiliária. A janela que era tampada para esconder tardes de sexo, ou escancarada para os vizinhos escutarem a guitarra gritando, agora servia de apoio para um cartaz que oferecia o seu quarto à alguém que, talvez fosse virgem, não tocasse guitarra nem tomasse cerveja e não alimentaria o quarto com livros jogados pelos cantos.

Jesus angustiou-se. Jesus quase enlouqueceu.

Jesus deu uma olhadela em tudo o que tinha ali. O preço que fora avaliado o apartamento, para Jesus, não servia nem para pagar a janela do seu quarto, com trinca e tudo. Só ele sabia do valor de sentar naquela janela, acender um cigarro, colocar o Band Of Gypsys para tocar e ficar olhando os bêbados mais bêbados do que ele irem para as suas casas.

Tudo isso estava fadado ao fim. E Jesus queria esse fim há muito tempo. Mas por um instante desquis.