Eu estava na universidade, com o meu típico mau humor do
cão. Não acordei de mau humor. Acordei normalmente, e saí de casa em total alto
astral porque tinha conversado pelo Skype com meu amor distante. Foi ótimo. Ela
estava linda e não parava de sorrir. Quer um começo de dia mais animador do que
esse?
Eis que chego na universidade e sou obrigado a sentar na
carteira DA FRENTE, ao lado da mesa do professor, já que não havia outro lugar
disponível para pessoas do meu tamanho. Isso foi horrível. Acabou com a minha
manhã, pois fui obrigado a sentar em um lugar completamente oposto ao que
costumo sentar, nos fundos e cantos.
Tentei assistir um pouco da aula, era ÉTICA. Mas ali, a
menos de um metro do professor, não existe ética. O tempo todo o cara grita ao
seu lado. Parece que tudo o que ele tenta falar soa como um balde cheio de
merda, e ele fazendo questão de empurrar ouvido a dentro. Aquilo estava me
dando náusea.
Saí da sala, procurei o sofá mais próximo, o sossego mais
silencioso, nenhum idiota por perto. Encontrei. Mas não fui só eu. Chegou um
camarada me pedindo maconha. Eu fiquei tipo... ãh?? O cara era careta até
então. Bem mais novo do que eu, aspecto conservador, mas aparentemente de
cabeça aberta a discussões. Nunca imaginei que aquelas palavras – Oi, estou com
vontade de experimentar maconha – surgiriam da boca dele. Fiquei atônito. Até
porque eu estava em um sofá de OITO lugares, e ao lado tinha um sofá de mais
dois lugares, e o cara sentou exatamente entre mim e o braço do sofá, nos
deixando em uma posição muito DESCONFORTÁVEL. Se alguém aparecesse naquela sala
pensaria que a pederastia estava prestes a começar.
Estou afim de experimentar, afinal, não podemos passar por
essa vida sem experimentar as coisas, ele disse. Pensei um pouco nas
consequências, coisa que não costumo fazer. Confesso que fiquei um pouco mal
com a situação. Ele ali do meu lado, muito perto, achando que eu era traficante.
Não, eu não sou, pensei. O que as pessoas acham que eu sou? Mas decidi
colaborar, afinal não podemos passar por essa vida sem experimentar as coisas,
e quem sou eu para barrar a experiência de alguém?
Ele foi embora. Eu fiquei alí mais uns bons minutos.
Sossego, paraíso, me sentia alheio a tudo e todos, ninguém tinha influência
sobre mim, apenas os quadrinhos que eu acompanhava pelo celular.
Voltei para o meu inóspito lugar na sala de aula. O
professor continuava tentando nos convencer das suas convenções. Já fugi das
igrejas porque não gosto de ser doutrinado. Saquei meu livro de putarias da
mochila. Tentei ler um pouco, mas não havia chance. A aula era implacável,
comecei a passar mal. Demônios estavam olhando para as minhas caras feias e
eles faziam caras mais feias ainda. Meu deus, será que existe alguém normal por
aqui?
Olhei pro lado e lá estava um cara, que todos dizem ser
louco, com uma câmera de vídeo na mão. Ele passava as gravações e dava risadas
discretas para o pequeno visor LCD. Puta que pariu, pensei. É, eu pensei isso.
Exatamente isso. Apenas “puta que pariu”. Minha cabeça estava esgotada. Sou
obrigado a sentar no calabouço estudantil, fujo e um cara vem me colocar no
tráfico de drogas, concedo mais uma chance à decente vida acadêmica e dou de cara com um maníaco da câmera,
que filma as pernas das garotas e vai pra casa tocar punheta com o seu enorme
pau. Deve ser enorme. Sempre imaginei dementes com genitais gigantescos.
Um amigo me pede ajuda. “Coloque meu nome na chamada”, ele dizia
pelo celular. A manhã ainda me reservava um momento de compaixão. Roubei a
lista de chamada da mesa do professor, na cara dura, e escrevi o nome dele.
Tomara que tenha dado certo, afinal o meu amigo tomou a decisão correta, não
apareceu na universidade.
Enjoei. Mesmo sem comer nada, golfadas de demência surgiram
na minha traquéia - acho que é esse o nome do lugar que elas tomaram de
assalto. Vou fugir mais uma vez, mas dessa vez é para sempre. Peguei minha
mala, saí da sala, encontrei o sol no pátio. Pensei, pronto, ar puro, só
preciso de um pouco de feijão, arroz e carne. Depois vou embora. Desci as
escadas em direção ao restaurante universitário e...
Candidatos a deputado fazendo campanha na universidade. Puta
que pariu, é você, Satanás? Fugi. Comprei meu ticket e me dirigi à fila. Um
amigo chegou me fazer companhia. Conversamos um pouco, a porta do restaurante já
estava ao nosso alcance, achei que poderia ficar tranquilo, nada mais me
incomodaria naquela fatídica manhã gelada.
“Oi, amigos! Vocês me conhecem? Sou candidato a deputado
estadual...”
Quando o cara falou isso, fiquei sem reação, deus não
existia, ou se existisse não gostava de mim. Enquanto isso a senhora dos
tickets pegou o ticket da minha mão sem eu perceber, me fazendo entrar de uma
vez por todas no restaurante universitário e me blindando da baboseira
política.
Obrigado, eu disse. Foi uma manhã difícil.